No divórcio a partilha dos bens e a regulação das responsabilidades parentais são a causa principal dos diferendos.
Foi publicado em 13 de Outubro de 2015 o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2015 do Proc. 899/10.2TVLSB.L2.S1 que procede à uniformização de jurisprudência que estabelece que, estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens, na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios e feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2015 “revoga” a exigência expressa no art. 1723.º, c) do Código Civil, pelo que o que esta alínea, deste artigo, expressa no seu final, deixa de se poder defender.
Na verdade o art. 1723.º do Código Civil dispõe que conservam a qualidade de bens próprios: a) Os bens que vêm substituir os bens que eram próprios de um dos cônjuges por meio de troca directa; b) O preço dos bens próprios cedidos onerosamente; c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores que eram já próprios de um dos cônjuges, mas desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, documento esse em que tenham intervenção de ambos os cônjuges.
O que o presente Acórdão vem mudar é que já não é preciso que a aquisição desse novo bem ou dessa benfeitoria conste num documento, em que intervenham ambos os cônjuges e seja declarada e reconhecida por ambos a origem desse bem o benfeitoria como própria de um deles.
A forma perde força perante a verdade dos factos provada em Tribunal por alguma das formas que é possível fazer prova judicial e já não é só admissível o documento escrito em que seja mencionada a natureza do bem como próprio de um dos cônjuges e exarado por ambos.
O Supremo Tribunal optou pela recusa da exigência do formalismo, permitindo ser substituído por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas ou maioritariamente com o dinheiro de um deles, não ganho, mas trazido já para o casamento ou com bens próprios de um deles, afastando, desse modo, a aplicação do art. 1724.º do Código Civil, e aplicando o art. 1726.º do Código Civil.
É que nos termos do artº 1724º Fazem parte da comunhão: O produto do trabalho dos cônjuges e Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio.
E o artº 1726º, sempre do Código Civil, diz que:
- Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.
- Fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão.
Então o que veio mudar este Acórdão Unificador do Supremo Tribunal de Justiça.
O Acórdão apreciou um processo comparando-o com outro em que havia sido dada uma decisão diverda Mas em ambos os processos as Autoras pediam ao Tribunal que condenassem os ex maridos. a reconhecerem que esses bens imóveis comprados por esses seus maridos, mesmo não tendo elas intervindo nas escrituras públicas de compra e venda, e nem aí se tivesse feito qualquer
menção relativa à proveniência do dinheiro utilizado na aquisição, como bens próprios delas requerentes, não integrando, por isso, a comunhão conjugal.
Em ambos os casos ficou provado em Tribunal, por algum dos meios processualmente admissível que o dinheiro, com que foi pago o preço dos bens comprados, pertencia em grande parte às demandantes mulheres.
Em comum o facto de, nas escrituras públicas de compra e venda, apenas terem comparecido como compradores os cônjuges maridos e do documento notarial não constar qualquer menção sobre a proveniência e titularidade do dinheiro com que foi pago o preço dos contratos de compra e venda dos bens imóveis.
Para que fosse considerado próprio das recorrentes mulheres, a proveniência do dinheiro ou dos valores tinha que constar no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com a intervenção de ambos os cônjuges.
Mas o Acórdão ora publicado preferiu outro caminho:
“Não é, sequer, de excluir actuação abusiva do direito — artigo 334.º do Código Civil — quando se mostrar que um dos cônjuges se prevalece do regime da comunhão de adquiridos, pretendendo partilhar um património comum, sabendo que não contribuiu para aquisição do bem (que nele pretende ver integrado), que se fez com dinheiro ou meios da exclusiva propriedade do seu cônjuge, invocando
a inobservância de requisitos formais, atentando, censuravelmente, contra a confiança, a lisura e a solidariedade inerentes à relação conjugal.”
Como refere o Professor Guilherme de Oliveira, na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 133.º,
Ano 2000 -2001, n.os 3910 -3921, pág. 350 -351, em comentário ao Acórdão da Relação de Lisboa de 9.1.2001, quando escreve — “Neste caso, o exercício do direito de partilhar o bem adquirido é contrário a tudo — à boa fé, aos bons costumes, ao fim que preside à ideia de património comum e ao direito subjectivo de participar nele”.
Assim concluiu que mesmo que não haja documento escrito em que se declare que o bem adquirido o é em resultado da venda de um bem próprio e que estejam presentes ambos os conjuges, desde que seja feita prova desses factos o abuso de direito, a boa fé e os bons costumes prevalecem sobre o formalismo.