Neste momento, já há robots que poderiam ser responsabilizados, civil e/ou criminalmente. Concerteza que sim. Vejamos porquê, começando por um exemplo prático, um problema e as questões que o mesmo levantam, a saber:
A mãe de um rapaz de 16 anos manda o jovem ao hipermercado, que dista cinco minutos a pé, comprar 6 litros de leite, três quilos de açúcar, três de arroz, um limão e canela, afim de confeccionar arroz doce para uma reunião de família. Não esquecer uma lata de ananás em calda. O rapaz programou o cesto robótico, visível na imagem anexa, que o hipermercado contratara em leasing com uma financeira, o qual o seguiu nas suas compras. O moço seguindo à frente e o cesto robótico seguindo-o de perto, sem contacto físico entre ambos, durante a operação. Sim isto já existe hoje e o jovem imitava, na vida real, um jogo que iria jogar, a seguir, na sua play station. Por isso não repara, ao cruzar-se com o cesto robótico igualmente sem contacto físico com um senhor de 61 anos, o qual se deslocava com a ajuda de duas canadianas. O cesto robótico do jovem, seguindo este, atravessou-se inopinadamente no caminho do cesto robótico do sénior, o qual se desequilibra neste cruzamento de caminhos. Um dos três embateu numa prateleira e uma lata da fruta em calda acertou, fatalmente, na nuca do provecto individuo.
Quem é responsável civil e criminalmente por esta desgraça, partindo do pressuposto que o hipermercado não tem seguro pelo uso de tais cestos robóticos e sabendo que havendo um morte tem que haver responsabilidade criminal a ser apurada.
Será:
a) A mãe ou/e o pai do menor, porque respondem pelos actos do menor que esteve na origem do acidente?
b) O dono do hipermercado, porque a exploração dos cestos robóticos é de sua responsabilidade?
c) A entidade financeira dona dos cestos robóticos, porque os dá em exploração ao dono do hipermercado?
d) O fabricante dos cestos robóticos, porque os fabricou e mandou programar?
e) O programador dos mesmos, dado que não previu os movimentos inopinados dos jovens?
f) Um dos cestos robóticos, enquanto robot em si, por ter chocado com o outro que faz cair a lata, necessitando para tal de personalidade jurídica?
Este tipo de acidentes tenderá a acontecer, quando os automóveis deixarem de ser conduzidos pelos humanos. Aconteceu já nos EUA com um Tesla que não estando a ser conduzido, nesse preciso momento, não conseguiu detectar um outro veiculo, provocou a morte ao seu condutor.
Também o acidente supra descrito pode acontecer já hoje em Portugal, com o robot da imagem, antes daqueles carros chegarem ao nosso país, embora ainda esta semana conduzi um Mercedes da série S e a minha intervenção na sua direcção não era total nem no volante nem nos pedais.
O que pode a vitima ou a família da vitima se for uma situação fatal fazer. Não estamos preparados legalmente para esta evolução e deveria ser a Comunidade Europeia a regular sobre esta matéria e já não os Estados, por força da abolição das fronteiras internas. Nomeadamente deveria ser regulado no Espaço Shengen, incluindo os países não comunitários porque o veículo robótico poderá ter dificuldade em compreender quando passa uma fronteira, dado que a mesma é uma ficção humana e se não for regulada a obrigação de o GPS da viatura ter um dispositivo que desligue a condução automática quando para além da fronteira em que a condução robótica seja autorizada.
Num futuro próximo as pessoas viverão, predominantemente, nas grandes cidades, pelo que a propensão será haver empresas que explorem uma frota de veículos sem condutor. Estes circularão autonomamente sem passageiros. Pegaremos num telemóvel, seleccionaremos a rota e o veiculo parará à nossa porta e deixar-nos-á no destino escolhido, seguindo para um novo transporte. O proprietário dos veículos será um banco ou similar, que cederá os mesmos a uma empresa que explorará a sua circulação.
Isto não é ficção cientifica, está já aí a chegar e temos que nos preparar para isso. Numa situação como a do exemplo supra, que pode acontecer já hoje, dentro de um hipermercado com um robot e em que a culpa no acidente não seria do programador, mas uma causa terceira, quem responderá civil e criminalmente? Aos dias de hoje o Sr Dr Juiz iria responsabilizar provavelmente a financeira proprietária do cesto robótico, ou os pais do miúdo que andava a brincar com este, ou mesmo o produtor do cesto, pela programação.
Não nos parece ser o mais justo nem que proteja melhor a vitima, por obrigar a anos de investigação de elevada complexidade. Uma decisão mais imediata e que permitisse, depois, um direito de regresso necessitaria de regulamentação.
Não temos dúvida em defender que tal como produz riqueza, o robot deve, com o produto do seu trabalho, auferir uma remuneração não para si, mas para constituir um fundo de garantia. Se gera riqueza, porque não pode, esta riqueza, ser cobrada de forma a constituir um fundo de garantia? Um seguro de responsabilidade civil e quiçá para poder ser multado em sede criminal.
Mas, para tal, deveria ter personalidade jurídica. Deveria responder pelas suas decisões, que toma perante as situações da realidade, tal como uma empresa é responsável directamente perante o Estado, por os seus responsáveis não pagarem nomeadamente o IVA ou fugirem ao pagamento do imposto.
Como é óbvio uma empresa não pode ser condenada em pena de prisão, mas não me parece desapropriada uma decisão judicial que mande desactivar um robot, qual pena de morte, por ser responsável por várias decisões que provoquem vitimas.
Salvo melhor opinião seria de criar um momento de aquisição de personalidade, a que já se fala atribuir o nome de personalidade digital. Não defendo que fosse necessário ser aprovado num teste Turing, mas muito menos que isso. Ficaríamos perante o absurdo jurídico de, nesse caso, um humano acabado de nascer reprovaria em tal exame.
Vejamos então o que a nossa legislação refere sobre a personalidade juridica.
Nos termos do nº 1 do Artigo 66.º (Começo da personalidade) do Código Civil Português (DL n.º 47344/66, de 25 de Novembro) «A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.» e nos termos do nº 1 do Artigo 68.º «A personalidade cessa com a morte». Estamos a falar da personalidade humana, física, singular.
A um robot não se pode aplicar esta centenária definição. Mas será que por causa disso não pode ter personalidade e, destarte, ser responsabilizado?
Se há personalidade das pessoas físicas ou singulares, há também uma personalidade colectiva ou jurídica, criada artificialmente para sociedades, associações, fundações e prevista no «Artigo 157.º (Campo de aplicação) As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.»
E aí, em vez do nascimento com vida, temos a regular o Artigo 158.º (Aquisição da personalidade) «1. As associações constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido, que contenham as especificações referidas no n.º 1 do artigo 167.º, gozam de personalidade jurídica. 2 – As fundações referidas no artigo anterior adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da autoridade administrativa.»
Ou seja, criou-se uma personalidade não física, de entidades não humanas, desprovidas de emoções ou sentimentos e que visam um objectivo e ficcionaram-se direitos e deveres próprios de pessoas jurídicas que são. Não é necessário ter emoções ou sentimentos para se ter personalidade colectiva.
Assim foi necessário criar uma norma de analogia, o Artigo 165.º do Código Civil (Responsabilidade civil das pessoas colectivas) «As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.»
E quanto à responsabilidade criminal também as pessoas colectivas e as equiparadas respondem nos termos do Artigo 11.º (Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas) do CÓDIGO PENAL (publicado em 1982 consolidado em 1995 pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março), artigo que transcrevemos para facilidade de compreensão:
«1 – Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
2 – As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos:
a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
3 – (Revogado.)
4 – Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.
5 – Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto.
6 – A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
7 – A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.
8 – A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime:
a) A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e
b) As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.
9 – Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes:
a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa;
b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou
c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
10 – Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.
11 – Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados.»
Não é justo que uma empresa tenha personalidade e um robot não a possa ter. Independentemente de este ter existência física ou se limitar a ser um programa que corra num computador, na internet ou num ser com aparência ou não humana, desde que tenha capacidade de tomar decisões perante situações da vida real, por si próprio, não vemos porque deve ter um tratamento inferior ao de uma pessoa colectiva.
Como dissemos supra não careceria de ser submetido a um teste de Turing, mas necessitaria de uma decisão de reconhecimento de existência de personalidade digital, semelhante à de uma fundação, bastando para tal a verificação que tem capacidade, por si próprio, de tomar decisões perante situações da vida real, mesmo que estas se limitem a virar à esquerda ou à direita. O facto de ter sido programado, isso não lhe tira dignidade, porquanto pode ser julgado pela escolha que fez, pela decisão que tomou e há que haver a possibilidade de haver um direito de regresso sobre terceiros.
Até porque não se pode dar menos dignidade a um ser inteligente do que aos animais que nos termos do novo Artigo 201.º-B (Animais) do nosso Código Civil que regula que «Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objecto de protecção jurídica em virtude da sua natureza.» e o Artigo 201.º-D (Regime subsidiário) Na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza.
Não nos podemos esquecer que, neste momento, já algumas bolsas de valores mobiliários em que as transacções são feitas entre robots ou por robots, sem existência física, representando pessoas singulares e colectivas a uma velocidade e com capacidades humanamente impossíveis. Estou certo que nas últimas crises financeiras houve uma quota de responsabilidade, nas mesmas, que poderia ser assacada a esses robots, sem que isso tivesse sido feito, por se partir do princípio que os responsáveis teriam sido os humanos ou para que os investidores não deixassem de acreditar na robótica pois seria impossível tecnicamente voltar atrás.
Quer isto dizer que as pessoas robóticas têm que ser reconhecidas sob pena de as pessoas físicas passarem a ser vitimas na qualidade de vitimas e na qualidade de responsáveis por decisões que os robots tomam, sob as quais não têm controle. Tal reconhecimento tem que as tornar responsáveis quer civil quer criminalmente (RCCR – Robot Civil and Criminal Responsability), deixando algumas de ser meras coisas.