Alteração da Lei da Nacionalidade
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1133/2025 em sede de fiscalização preventiva
📌 Identificação essencial
• Acórdão: n.º 1133/2025
• Processo: 1383/2025
• Órgão: Plenário do Tribunal Constitucional
• Relatora: Conselheira Dora Lucas Neto
• Objeto: Fiscalização preventiva da constitucionalidade do Decreto da AR n.º 17/XVII, que altera a Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81)
🎯 Questão central
O Tribunal apreciou se várias normas da nova Lei da Nacionalidade violavam direitos fundamentais, em especial:
• o direito à cidadania (art. 26.º CRP),
• o princípio da proporcionalidade,
• a proteção da confiança e da segurança jurídica,
• a proibição de retroatividade de leis restritivas,
• a proibição de efeitos automáticos das penas,
• a pessoalidade das sanções.
🧩 Normas analisadas
Foram sindicadas, entre outras, alterações aos seguintes artigos da Lei da Nacionalidade:
• Art. 6.º, n.º 1, al. f) – exclusão da naturalização por condenação em pena ≥ 2 anos
• Art. 6.º, n.º 3 – regime aplicável a apátridas
• Art. 9.º, n.º 1, al. a) – oposição à nacionalidade com base em “comportamentos antipatrióticos”
• Art. 12.º-B, n.º 3 – consolidação da nacionalidade e fraude
• Art. 15.º, n.º 4 (revogado) – contagem do prazo de residência
• Art. 7.º do Decreto – aplicação no tempo, ausência de regime transitório e retroatividade
⚖️ Fundamentação essencial do Tribunal
1️⃣ Direito à cidadania como direito fundamental
O Tribunal reafirma que:
• o direito à cidadania tem natureza análoga a direitos, liberdades e garantias;
• o legislador não tem liberdade ilimitada para criar obstáculos à aquisição ou manutenção da nacionalidade;
• qualquer restrição está sujeita ao art. 18.º da CRP (necessidade, adequação e proporcionalidade).
2️⃣ Inconstitucionalidade do critério penal automático (art. 6.º, n.º 1, al. f))
O TC considerou inconstitucional a exclusão automática da naturalização baseada em:
• condenação em pena de prisão ≥ 2 anos, independentemente:
o da natureza do crime,
o da pena efetiva ou suspensa,
o do tempo decorrido,
o da reinserção social.
👉 Viola:
• o princípio da proporcionalidade;
• a proibição de efeitos automáticos das penas (art. 30.º, n.º 4 CRP).
3️⃣ Regime dos apátridas (art. 6.º, n.º 3)
O Tribunal entendeu que:
• exigir “residência legal” sem existir um procedimento interno de reconhecimento da apatridia torna o direito praticamente inexequível;
• tal solução é desadequada e desproporcional, contrariando compromissos internacionais.
👉 Violação do princípio da proporcionalidade e dos arts. 16.º e 17.º CRP.
4️⃣ Conceitos indeterminados e risco de sanção política (art. 9.º)
A norma que permite oposição à nacionalidade com base em:
“comportamentos que rejeitem a adesão à comunidade nacional, instituições ou símbolos”
foi considerada constitucionalmente problemática, por:
• indeterminabilidade excessiva;
• risco de perda de nacionalidade por motivos políticos;
• potencial violação da liberdade de expressão.
👉 Violação dos arts. 18.º e 26.º, n.º 4, CRP.
5️⃣ Consolidação da nacionalidade e sanções a terceiros de boa-fé (art. 12.º-B)
O TC censurou a norma que:
• impede a consolidação da nacionalidade mesmo quando o titular não praticou qualquer fraude.
👉 Viola:
• o princípio da pessoalidade das sanções;
• o art. 30.º, n.º 3, CRP;
• a proporcionalidade.
6️⃣ Revogação da regra de contagem do tempo de residência (art. 15.º, n.º 4)
A eliminação da regra que contava o tempo desde o pedido de autorização de residência foi considerada:
• lesiva da proteção da confiança;
• geradora de desigualdade arbitrária (dependência da demora administrativa);
• potencialmente retroativa.
👉 Violação dos arts. 2.º, 13.º e 18.º, n.º 3, CRP.
7️⃣ Aplicação no tempo e ausência de regime transitório (art. 7.º do Decreto)
O Tribunal entendeu que:
• a entrada em vigor imediata, sem regime transitório,
• conjugada com agravamento de requisitos,
• frustra expectativas legítimas de quem já tinha planos de vida estruturados,
👉 viola o princípio da proteção da confiança e a proporcionalidade.
Além disso, a qualificação de normas como “interpretativas” para produzir efeitos retroativos foi rejeitada.
🏁 Conclusão
O Tribunal Constitucional concluiu que várias normas do Decreto n.º 17/XVII são materialmente inconstitucionais, por violarem princípios estruturantes do Estado de Direito democrático, impedindo a sua promulgação nos termos propostos.
✅ Normas efetivamente apreciadas (e só estas)
Foram objeto de fiscalização apenas:
1. Art. 6.º, n.º 1, al. f) – condenação penal ≥ 2 anos
2. Art. 6.º, n.º 3 – regime dos apátridas
3. Art. 9.º, n.º 1, al. a) (parte final) – “comportamentos de rejeição da comunidade nacional”
4. Art. 12.º-B, n.º 3 – consolidação da nacionalidade e fraude
5. Revogação do art. 15.º, n.º 4 – contagem do tempo de residência
6. Art. 7.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto – entrada em vigor / ausência de regime transitório
7. Art. 7.º, n.ºs 3 e 4 do Decreto – natureza “interpretativa” e retroatividade
Tudo isto resulta expressamente do capítulo de delimitação do objeto do pedido (pontos 5.1 a 5.7) do acórdão
O Tribunal deixa implícito que:
• outras normas podem vir a ser problemáticas,
• mas só poderão ser apreciadas em fiscalização sucessiva concreta ou abstrata, se vierem a ser aplicadas.