No decurso do presente milénio, Portugal não passou por nenhuma comemoração em que os governantes, da altura, achassem justificativo para uma amnistia, como as visitas Papais do final do século passado.
É no âmbito da pandemia da doença COVID-19 que é agora publicada a Lei n.º 9/2020 de 10 de abril que nos surge não uma amnistia, mas um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, que reveste a forma de perdões de pena, indultos, licenças de saída extraordinárias e antecipação extraordinária de liberdade condicional e que passamos a analisar.
Para implementação do disposto na presente lei, e durante o período em que a mesma vigorar, o Conselho Superior da Magistratura, afetará aos tribunais de execução das penas os juízes necessários ao urgente cumprimento desta lei.
Dado que a presente lei só se aplica a reclusos, aqueles que tiverem sido condenados em pena que admite perdão e não se encontrem em situação de reclusão prisional, terão que se entregar às autoridades, afim de lhe ser aplicada a presente lei.
I
Um perdão parcial de penas de prisão transitadas em julgado e uma excepção na prisão preventiva
A)
Perdão apenas aos condenados com penas de prisão por decisão transitada em julgado
• Perdão das penas de prisão de duração igual ou inferior a dois anos.
• Perdão dos períodos remanescentes das penas de prisão de duração superior à referida no número anterior: se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena.
• Perdão abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única – só deve ser aplicado se houver lugar à revogação ou suspensão, relativamente a condenações em penas de substituição
• Perdão incide apenas sobre o remanescente do somatório das penas sucessivas sem que haja cúmulo jurídico, em caso de condenação do mesmo recluso, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos,
B)
Não podem ser beneficiários do perdão desta lei os condenados por crime de:
a) homicídio;
b) violência doméstica e de maus tratos;
c) contra a liberdade pessoal;
d) contra a liberdade sexual e autodeterminação sexual;
e) roubo de que resulte morte ou perigo para a vida;
f) identidade cultural e integridade pessoal;
g) fogo posto, uso criminal de gás, água ou energia nuclear;
h) associação criminosa;
i) branqueamento de capitais;
j) corrupção e recebimento indevido de vantagem;
k) tráfico de droga, precursão e branqueamento;
l) ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado ou qualificada em dadas circunstâncias;
m) tipo seja ele qual for QUANDO
a. praticado por membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas, funcionários e guardas dos serviços prisionais;
b. praticado por titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas
C)
Prisão preventiva
O juiz pode proceder ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva nos casos supra referidos abrangíveis por perdão de pena, avaliando a efetiva subsistência dos requisitos da prisão preventiva: perigo de fuga, continuação da actividade criminal e perigo de prejudicar o processo em que está a ser julgado.
II
Um regime especial de indulto das penas;
O Presidente da República pode indultar, total ou parcial, da pena de prisão aplicada a recluso que:
• tenha 65 ou mais anos de idade à data da entrada em vigor da presente lei
• seja portador de doença, física ou psíquica, ou de um grau de autonomia
incompatível com a normal permanência em meio prisional, no contexto desta pandemia.
Não pode ser beneficiário de indulto quem não podia ser objecto de perdão em cima descriminado.
III
Um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos
O diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais pode conceder ao recluso condenado licença de saída pelo período de 45 dias, desde que cumulativamente se verifiquem os seguintes requisitos:
a) O preenchimento dos pressupostos e critérios gerais de concessão da licença de saída previstos no artigo 78.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade;
b) O gozo prévio de pelo menos uma licença de saída jurisdicional ao recluso que cumpre pena em regime aberto ou o gozo prévio de duas saídas jurisdicionais ao recluso que cumpre pena em regime comum;
c) A inexistência de qualquer situação de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses antecedentes.
A quem for concedida licença de saída pelo período de 45 dias deve:
• permanecer na habitação,
• aceitar a vigilância da reinserção social e órgãos de polícia criminal e
• responder aos contactos periódicos e cumprir a orientações destes.
O período de saída é considerado tempo de execução da pena ou da medida privativa da liberdade.
IV
A antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional.
Se correr bem a licença de saída administrativa acabada de referir, pode ser antecipada pelo tribunal de execução das penas, a colocação em liberdade condicional, por um período máximo de seis meses, para efeito de adaptação à liberdade condicional.
Esta lei não se aplica a condenados por crimes cometidos contra membro das
• forças policiais e de segurança,
• forças armadas
• funcionários e guardas dos serviços prisionais,
no exercício das respetivas funções.