A Presidência do Conselho de Ministros, através do seu Decreto n.º 2-B/2020 de 2 de Abril, veio regulamentar a prorrogação do estado de emergência, decretado pelo Presidente da República, Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020 desse mesmo dia, mas em parte alguma se proíbe qualquer forma de despedimento, pelo que também não proíbe os despedimentos colectivos.
No seu Artigo 24º do Decreto n.º 2-B/2020, sob o título Reforço dos meios e poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho, regulamenta assim:
1 — Durante a vigência do presente decreto e de forma a reforçar os direitos e garantias dos trabalhadores, sempre que inspector do trabalho verifique a existência de indícios de um despedimento em violação dos artigos 381.º, 382.º, 383.º ou 384.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redacção atual, lavra um auto e notifica o empregador para regularizar a situação.
2 — Com a notificação ao empregador, nos termos do número anterior e até à regularização da situação do trabalhador ou ao trânsito em julgado da decisão judicial, conforme os casos, o contrato de trabalho em causa não cessa, mantendo-se todos os direitos das partes, nomeadamente o direito à retribuição, bem como as inerentes obrigações perante o regime geral de segurança social.
Quer isto dizer que o processo do despedimento tem que ser o mais correcto possível, aconselhando que se contrate um advogado para o efeito.
Se o processo de despedimento, seja disciplinar, colectivo, comunicação de caducidade, acordo de resolução do contrato, por mútuo acordo, por extinção do posto de trabalho, seja o que seja, for elaborado criteriosamente, obedecendo aos requisitos legais, o despedimento não apresentará indícios de não ser lícito.
Assim o inspector do trabalho não terá razões para lavrar auto e, destarte, a decisão de despimento tomada, ou o acordo celebrado, serão válidos e eficazes.
No fundo, o que se visa com este diploma é reforçar os poderes da ACT de forma a não tornar os despedimentos num processo anárquico, face à crise institucional e económica que se advinha.
Cabe agora aos empresários contratar advogados, conhecedores de direito de trabalho, que elaborem os seus processos de despedimento ou similar, de forma criteriosa, obedecendo aos procedimentos legais e afastando qualquer indício de não ser lícito.
É que o Primeiro Ministro, nas palavras que escolheu ao anunciar este documento, indiciou que tinha proibido os despedimentos colectivos ilícitos, com uma errónea e infeliz escolha de palavras jurídicas que criou o boato de que se proibiam os despedimentos colectivos, ou seja mesmo os legalmente tramitados.
Na verdade, não proibiu os despedimentos, outrossim criou uma espécie de providência cautelar por um inspector, prévia à de um Juiz.
Mas poderia tê-lo feito.
Segundo o Artigo 19.º da Constituição da República Portuguesa, pode haver lugar a toda e qualquer suspensão do exercício de direitos constitucionais, nos limites aí previstos.
A Constituição distingue estado de sítio (mais grave) de estado de emergência (menos grave):
1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.
2. O estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.
3. O estado de emergência é declarado quando os pressupostos referidos no número anterior se revistam de menor gravidade e apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias susceptíveis de serem suspensos.
4. A opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como as respectivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.
5. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em consequência de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.
6. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.
7. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e na lei, não podendo nomeadamente afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e de governo próprio das regiões autónomas ou os direitos e imunidades dos respectivos titulares.
8. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.
Quer isto dizer que o Primeiro Ministro em nenhum caso poderia afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião, mas podia ter proibido os despedimentos, fossem eles de que natureza fossem.
Anunciou-o, mas não proibiu os despedimentos.
Ao invés, limitou-se a reforçar os meios de verificação de indícios de violação das regras, previstas no código de trabalho, para os procedimentos de despedimento colectivo.
Porque, vejam-se os direitos e garantias dos trabalhadores, que o inspector do trabalho deverá verificar se existem indícios de violação e que são os constantes dos artigos 381.º, 382.º, 383.º ou 384.º do Código do Trabalho, a saber:
SUBSECÇÃO II
Ilicitude de despedimento
Artigo 381.º
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Artigo 382.º
Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 — O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 — O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º
Artigo 383.º
Ilicitude de despedimento colectivo
O despedimento colectivo é ainda ilícito se o empregador:
a) Não tiver feito a comunicação prevista nos n.os 1 ou 4 do artigo 360.º ou promovido a negociação prevista no n.º 1 do artigo 361.º;
b) Não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, referido no n.º 1 do artigo 363.º;
c) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 4 do artigo 363.º
Artigo 384.º
Ilicitude de despedimento por extinção de posto de trabalho
O despedimento por extinção de posto de trabalho é ainda ilícito se o empregador:
a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;
b) Não respeitar os critérios de concretização de postos de trabalho a extinguir referidos no n.º 2 do artigo 368.º;
c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;
d) Não tiver colocado à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366.º por remissão do artigo 372.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
Ou seja, trata-se de zelar por que os despedimentos – sejam por justa causa imputável ao trabalhador, colectivos ou por extinção do posto de trabalho – respeitarão os procedimentos legalmente previstos e se assegurará assim a manutenção dos postos de trabalho.
É certo que os despedimentos começaram já e ninguém ignora que crescerão nos próximos tempos, tendo que ser criados mecanismos de evitar decisões empresariais anárquicas, próprias de situações de desespero.
As crises trazem sempre desemprego e o seu recrudescimento não será evitado por medidas como o lay off simplificado, que apenas se poderão manter por um período restrito.